APRESENTAÇÃO
Em 2022 Campinas realizou a sua 3ª Conferência de Saúde Mental. A etapa final realizou-se nos dias 8, 9 e 10 de abril, mas o processo de construção da Conferência realizou-se em vários momentos, com a participação de centenas de pessoas em Pré-conferências Distritais, Conferência Livres de Mulheres, LGBTQIA+, Trabalho e Geração de Renda e Raça e Saúde Mental.
Ao longo dos últimos 34 anos, desde a promulgação da Constituição Brasileira, o Brasil conseguiu avanços consideráveis na política de saúde pública, expandindo o cuidado integral, multidisciplinar e equânime à maioria da população. Essas conquistas se deram a duras penas, com muita luta por parte de usuários, trabalhadores e gestores comprometidos com o povo. Apesar dos avanços, sabemos que temos muitos limites e desafios a serem enfrentados, decorrentes de problemas na gestão, processos de trabalho, deficiências do estado brasileiro e, principalmente, do subfinanciamento e desfinanciamento do SUS.
Os cuidados em Saúde Mental são a imagem especular da reforma sanitária brasileira. Tanto as conquistas quanto os limites do SUS se espraiaram para o setor, dando vez ao processo de reforma psiquiátrica, conduzido por parte destacada do movimento sanitário, o Movimento Antimanicomial.
Assistimos, ao longo dos últimos 30 anos, a inversão dos investimentos em saúde mental, retirando-os de hospitais e serviços manicomiais e aplicando-os na abertura de serviços de base territorial e comunitária, de tratamento em liberdade, respeitando os direitos dos usuários e de seus familiares. De um lado, foram fechados hospícios e leitos em hospitais psiquiátricos nos grandes centros urbanos e, de outro lado, foram implantados inúmeros CAPS com leitos para internação breve, CECOs, Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), Oficinas de Geração de Renda, entre outros serviços. É fato, entretanto, que a reforma é incompleta, consolidada principalmente em alguns grandes centros. Ainda persistem leitos em hospitais psiquiátricos, muitas comunidades terapêuticas com práticas de segregação e tratamentos controversos, que desrespeitam as diretrizes do tratamento em liberdade e de base territorial e comunitária.
Em que pese os avanços, fruto da luta de gestores progressistas, trabalhadores, usuários e seus familiares, assistimos, nos últimos 6 anos, inúmeros retrocessos. Nesse período, o financiamento que já era inadequado, sofreu ainda maior redução nesses anos; ressurgiram as práticas discutíveis como eletrochoque, tratamentos fechados em comunidades terapêuticas e outras medidas contrárias à reforma psiquiátrica por parte do próprio Ministério da Saúde (MS).
Campinas tornou-se referência nos avanços da Saúde Mental desde os anos 90, com o fechamento de hospitais psiquiátricos e a grande expansão da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), com a implantação de CAPS, SRTs, CAPS, Oficinas Terapêuticas, entre outros, ao longo de décadas. Essa expansão foi possível graças a uma profícua parceria com o Cândido Ferreira, escorada por uma lei de Cogestão, cujo principal papel foi a “publicização” de um serviço privado. Em outros termos, o Cândido (como é carinhosamente chamado) tinha financiamento 100% público e a sua prestação de serviços, exclusivamente para o SUS. Infelizmente, assistimos a partir de 2012 a descaracterização gradativa dessa relação, que culminou com a revogação da Lei em outubro de 2021, desfazendo-se a cogestão e instituindo uma relação de tipo convenial com o SSCF, como se faz em qualquer processo de terceirização de serviços, o que vem repercutindo negativamente na consolidação da rede de saúde mental.
Apesar da significativa expansão, a RAPS campineira ainda é insuficiente para a cidade. Faltam-nos leitos em CAPS, expansão do Programa De Volta para Casa (ainda existem pacientes de Campinas e região em hospitais psiquiátricos!), centros de convivência e oficinas de geração de renda. Nossos serviços, conforme relato de familiares e usuários, ainda sofrem de burocratização excessiva, dificuldades de acesso, acolhimento insuficiente a pacientes e seus familiares, dificuldades de matriciamento entre equipes na construção do cuidado, assim como na relação entre os serviços secundários e as equipes de saúde da família.
A nossa Conferência, em todas as suas etapas, descortinou esses problemas e traçou diretrizes para que o governo municipal, se assumi-las como suas, possa ampliar e qualificar a nossa RAPS, o que inclui, além do Setor Saúde, outras valiosas políticas públicas, num movimento integrado e intersetorial. Sabemos, por outro lado, que a Conferência não é um fim em si mesma. É parte de um processo que nos orienta para resistirmos a desmontes e, mais, para continuarmos avançando. Há que se desdobrar em oficinas, seminários e tornar-se um dispositivo para discussões em movimentos sociais vários. Deverá servir de orientações a gestores, trabalhadores e usuários em conselhos locais, distritais e municipal e de estímulo ao próprio movimento da reforma psiquiátrica em Campinas e, por que não, São Paulo e Brasil.
Ainda temos muita luta pela frente! Avancemos!
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