Sem apoio, surdos enfrentam barreiras para se comunicar

Muitos sequer conseguem ser devidamente atendidos em uma consulta médica

Não conseguir se comunicar e depender da ajuda de desconhecidos para poder realizar atividades básicas, como ir ao médico, são barreiras comuns na rotina de muitos surdos em Campinas. Claudiney Batista de Assis, de 42 anos, é surdo e concedeu entrevista ao Correio Popular com a ajuda da intérprete e tradutora da Língua Brasileira de Sinais (Libras), Rosana Cláudia de Sousa Nunes. De acordo com Assis, falta acessibilidade comunicacional para os surdos na cidade e região, principalmente na área da saúde, o que dificulta a realização de consultas e exames.

Devido à falta de conhecimento em Libras por parte da equipe médica, Assis já viveu episódios traumatizantes, como quando recebeu o diagnóstico errado durante um atendimento. Nesse caso, a dor que ele sentia no estômago foi diagnosticada como tosse pelo profissional de saúde. 

Surdos sem acessoEm outra ocasião, por pouco ele não ficou sem atendimento ao dar entrada no Pronto Socorro de um hospital, depois de engasgar com uma espinha de peixe. "Eu tive que explicar o que ocorreu escrevendo em um papel enquanto sufocava, para que alguém pudesse me ajudar", lamentou.

Para ele, manter uma interlocução com o médico durante a consulta é quase impossível. Na tentativa de ser compreendido, Assis faz mímica. Há vezes em que a alternativa funciona, em outras não. "Eu tenho medo de ir ao médico. Infelizmente tenho que conviver com a falta de acessibilidade, o que faz de mim uma pessoa dependente", afirmou. Por isso, ele acredita que aprender Libras deveria ser obrigatório para qualquer pessoa. A prática da língua de sinais, reiterou, precisa ser incluída no ensino básico, como português e matemática. "Assim, eu conseguiria fazer tudo o que uma pessoa ouvinte faz, como ir a uma loja e frequentar espaços públicos", concluiu Assis.

Moção

Na tentativa de minimizar os obstáculos enfrentados pelos surdos na cidade, o Conselho Municipal de Saúde (CMS) de Campinas encaminhou uma moção de apelo às secretarias de Saúde e de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos, recentemente. Por meio do documento, a entidade solicitou maior agilidade da Administração na adoção prática de soluções que possam quebrar a barreira de acessibilidade linguística e comunicacional enfrentadas pelos surdos em Campinas.

De acordo com o CMS, são raros os profissionais de saúde do sistema público com bom conhecimento em Libras e com capacidade para atender o paciente com deficiência auditiva. Segundo a integrante da diretoria da Associação dos Surdos de Campinas, docente do curso de fonoaudiologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e conselheira municipal de saúde, Núbia Garcia Vianna, as demandas que visam à ampliação da acessibilidade da pessoa surda no município são discutidas pelo CMS há anos.

Para Núbia, sem o mínimo conhecimento da língua de sinais, o profissional de saúde pode cometer equívocos e colocar a vida do paciente em risco. Para solucionar esse problema, acrescentou, a gestão pública precisa tomar providências, como abrir concursos públicos para a contratação de intérpretes. Atualmente, apenas três tradutoras de Libras trabalham na Central de Interpretação de Libras (CIL), unidade que é responsável por atender a demanda dos surdos, como acompanhá-los durante uma consulta médica ou no momento de se matricularem em uma escola.

Segundo a fonoaudióloga, por causa da ausência de dados estatísticos sobre a população surda presente no município, é difícil prever o número ideal de tradutores para atender toda a demanda. "A nossa solicitação é para que tenham, pelo menos, dez intérpretes disponíveis na cidade", afirmou. Outra proposta feita pelo CMS é a disponibilidade de intérpretes de Libras em hospitais do município, como o Mário Gatti e Ouro Verde, todos os dias, durante 24 horas, principalmente no atendimento dos casos de emergência.

"No Pronto Socorro, o profissional da saúde não pode demorar a atender o paciente surdo. Ter que esperar um tradutor para entender o que a pessoa está sentindo é inviável e inadmissível", analisou. Segundo Núbia, o objetivo da moção apresentada pela entidade é dar celeridade aos pedidos do CMS que estão sendo "protelados" há anos pela Administração, que mantém os problemas sem solução. "É uma questão de decisão política. A Administração apenas precisa querer fazer", concluiu.

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